IV ENCONTRO NACIONAL DA ANPPAS 4, 5 e 6 de … · Governance indica aquí, una modalidad distinta...
Transcript of IV ENCONTRO NACIONAL DA ANPPAS 4, 5 e 6 de … · Governance indica aquí, una modalidad distinta...
1
IV ENCONTRO NACIONAL DA ANPPAS 4, 5 e 6 de JUNHO de 2008 BRASÍLIA-DF ___________________________________________________________
GOVERNANÇA E GOVERNABILIDADE DA ÁGUA: ASSERTIVIDADE E
CONTRADIÇÕES Sandra Inês Baraglio Granja está em fase de defesa de seu doutoramento na Universidade de São Paulo na área de negociação e mediação de conflitos. Leciona em diversas Escolas de Governo e cursos de pós-graduação e MBAs nos temas de negociação estratégica em governo, planejamento estratégico, elaboração e gestão de projetos. Cursou o Tenth International Programme on the Management of Sustainability organizado pela Sustainability Challenge Foundation na Holanda e o Cursou Special Management Program Innovative Negotiation Strategies com William Ury, co-fundador e diretor do Program on Negotiation – PON - na Harvard University. Foi conteudista e mediadora técnica de fóruns e cursos de Educação a Distância de Negociação, Mediação de Conflitos na EGAP-Fundap. Email: [email protected]
Resumo Este artigo discute as relações entre governabilidade e governança da água. A governança da
água pressupõe negociação na política pública de recursos hídricos – federal e estaduais e está
vinculada com a governança na dimensão da democracia, seja baseada no voto, na participação
democrática, seja como consultas públicas, pela democracia direta ou pelas organizações civis.. O
“tamanho” da governança não tem resposta simples, já que as questões socioambientais, e
conseqüentemente a gestão hídrica, atravessam problemas transfronteiriços e transdisciplinares
que ainda a ciência não tem respostas claras, como exemplo, o desenho de políticas públicas
projetado às gerações futuras. Os conceitos, contradições e limites da governança e
governabilidade – hídrica ou de dimensão política - são relativos à disfunção ou limitação dos
processos de participação existentes; a eventual ineficácia de políticas deliberativas,
enfraquecimento de instituições, procedimentos claros de coordenação entre os diferentes
poderes territoriais. Há contradições e assertividade de toda natureza, fruto de uma governança
da água que está sendo construída no país. Não há, portanto, consenso sobre o conceito de
governança. O artigo tenta explorar esse “arco” conceitual, permitindo a reflexão de sua
complexidade e, por extensão, a projeção que os autores fazem do conceito, tais como: visões
otimistas, pessimistas, analisando-as, rejeitando-as ou colocando suas esperanças na governança
como uma possível solução aos problemas
Palavras-chave:.Governança. Governança da Água. Governabilidade. Gestão das Águas..
2
GOVERNANÇA E GOVERNABILIDADE DA ÁGUA: ASSERTIVIDADE E CONTRADIÇÕES
Sandra Inês Baraglio Granja
Doutoranda, USP - PROCAM
Se a questão ambiental consta como problemática social e ecológica de alcance mundial
nos últimos trinta anos, paralelamente, no Brasil, a partir dos anos 80, o recurso água ganha maior
expressão e acaba por permear a discussão em vários âmbitos das organizações públicas e não
governamentais. A realidade socioambiental1, cada vez mais complexa, exige crescente
internalização de um saber ambiental emergente com instrumental que permita compreender as
lógicas dos processos em suas diversas abordagens intersetoriais, caso da gestão hídrica, e os
aspectos contraditórios que decorrem do modelo de desenvolvimento prevalecente no Brasil.
Muitas vezes, o Estado que promove esse desenvolvimento é o mesmo com funções regulatórias
para inibi-lo. As instituições públicas têm tido dificuldades de construir ferramentas e/ou
instrumentos de gestão capazes de lidar com os problemas ambientais, a cada dia mais
complexos e mais intercambiáveis (HALL; PIRIZ, 2002). Na discussão de qual tamanho de
Estado2 era necessário, a concepção de "governança" (governance) começa a ser discutida nos
anos 90.
Esse conceito, entretanto, estava voltado para a questão da "gestão pública", ampliando e
envolvendo a dimensão econômica, a política e a social, no sentido de aumentar a capacidade de
governo. O conceito de governança vai além de uma “caixa de ferramentas” para a gestão, há
outras potencialidades em sua reflexão teórica. Era relacionado ao desempenho governamental e
à relação deste Estado com os cidadãos e suas reivindicações. Nessa relação, está implícito um
acordo social, um contrato entre o Estado e os cidadãos, embora, em geral, isso não esteja tão
claro para a atuação dos grupos sociais. Governo era compreendido como um centro de poder; a
governance, como múltiplos centros de poder. Com mudanças gradativas no conceito, houve
1 Conceitos de sociedade de risco, modernização reflexiva, sustentabilidade e teoria da modernização ecológica são
importantes para compreender a complexidade socioambiental. Se cada uma dessas teorias isoladamente não responde sozinha à complexidade dos contextos fragmentados da sociedade socioambiental, oferecem, pelo menos, mesmo com controvérsias, elementos de análise para o entendimento do mundo atual.
2 Vale relembrar que as políticas neoliberais sempre apostaram na diminuição do tamanho e do papel do Estado; isso, conseqüentemente, afeta o caráter dos bens públicos. Dessa perspectiva, o foco da discussão seria a água como mercadoria. A capacidade de pagamento do usuário por esses serviços adquire relevância na gestão hídrica, para quem não pode pagar como ter acesso à água.
3
deslocamento do que era centrado no governo para vários centros de poder, em função do
empoderamento de seus atores-cidadãos. Uma versão do termo:
En primer término, actualmente se recurre a governance sobre
todo para indicar un nuevo estilo de gobierno, distinto del modelo
del control jerárquico y caracterizado por un mayor grado de
cooperación y por la interacción entre el Estado y los actores no
estatales al interior de redes decisionales mixtas entre lo público
y lo privado. La governance como alternativa al control jerárquico
ha sido estudiada en el plano de la formación de las políticas a
nivel nacional y sub-nacional (Kooiman, 1993; Rhodes 1997), en
la arena europea (Bulmer, 1994), así como en el ámbito de las
relaciones internacionales (ROSENAU; CZEMPIEL, 1992)3.
Para Diniz (1995), o novo modelo de atuação do Estado pressupõe, sinteticamente, que
não se substitua a sociedade civil nem o mercado, mas que o Estado atue em conjunto com
ambos, como um elemento de apoio, entendido como um Estado fomentador de iniciativas de
ações sociais. A governança consistiria no estabelecimento de um sistema de normas inseridas
em um redesenho estratégico que envolve a participação de variados atores sociais – ONGs,
associações, mercado – que compartilham da capacidade governativa do Estado, na identificação
dos problemas da sociedade e na formulação de políticas públicas e na sua implementação
(Figura 1).
Kooiman (1993) destaca: “Governance as a ’socio-cybernetic‘ system (…) no single actor,
public or private has all knowledge or information to solve complex, dynamic and diversified
problems…“.
Le Galès (1995) entende governança como "un processus de coordination d’acteurs, de
groupes sociaux, d ’institutions pour atteindre des buts propres, discutés et définis collectivement
dans des environnements fragmentés et incertains".
Para Williamson (1979):
Governance indica aquí, una modalidad distinta de coordinación
de las acciones individuales, entendidas como formas primarias
de construcción del orden social. Este uso del término parece
derivarse de la economía de los costos de transacción, y en
3 Fonte: http://www.iigov.org/id/article.drt?edi=187626&art=187660
Acesso em abril de 2007.
4
particular del análisis del mercado y de la jerarquía como forma
alternativa de organización económica.
Uma crítica à concepção de Williamson:
La tipología de Williamson se amplió rápidamente hasta incluir
otras formas de orden social: el clan, las asociaciones y, sobre
todo, las redes (networks) (Hollingsworth y Lindberg 1985; Powell
1990). De hecho, el descubrimiento de formas de coordinación
diferentes no sólo de la jerarquía, sino también del mercado
entendido concretamente, fue el que condujo al uso generalizado
del término governance para indicar cualquier forma de
coordinación social - no sólo en la economía sino también en
otros ámbitos. De esta forma, la atención dada a las formas
modernas de la governance (siguiendo la segunda acepción del
término), ha sugerido una distinción semántica posterior4.
As definições de Kooiman (1993), Le Galès (1995) e Williamson (1979) apontam a
complexidade das dimensões na relação de governança entre Estado, mercado e sociedade civil
(Figura1). A questão da coordenação horizontal e vertical entre essas dimensões está presente na
discussão. Podem-se constatar ainda na Figura 1 multiníveis de governança, pois se trata de
atores diferenciados que intervêm na realidade, com as variáveis das regras que permeiam essas
estruturas multiníveis. Esses multiníveis de governança e governabilidade se retroalimentam. São
instituições necessárias para adotar decisões coletivas vinculadas, como os legislativos, que
geram normas ou agências reguladoras. Há também as instituições para executar as decisões,
sejam públicas ou privadas; há um conjunto delas que executam ações. Há as instituições que
“vigiam” o cumprimento dos acordos estabelecidos ou resolvem conflitos; são os judiciários e as
administrações públicas.
4 Fonte: http://www.iigov.org/revista/?p=7_02. Acesso em abril de 2007.
5
Figura 1 – As relações entre governança e governabilidade
GOBERNABILIDAD
GOBERNANZA
GOBIERNO
SOCIEDAD CIVIL
ESTADO
“Cualidad” que se genera en la interacción entre Gobierno y Sociedad Civil
Estructuras y procesos para la toma de decisiones que configuran las interacciones entre Estado y Sociedad Civil
MERCADO
DIMENSION NORMATIVA (Legislación / Políticas /
institucionalidad)
DIMENSION DE NEGOCIACION
DIMENSION DE EMPODERAMIENTO
Usos del agua
Consumo
humano
Riego Industria Energía Otros
Nacional
Regional
LOCAL
Implementación
Fonte: Projeto Alfa, USP, 2006, Bustamante, R.
O histórico dos conceitos de governança e governabilidade e de como esses dois termos
se confundiram em determinados contextos é recuperado por Prats (2003), para quem a
governança são os processos de interação entre os atores estratégicos causada pela arquitetura
institucional. Essa interação está forjada pelas regras do jogo. Prats concorda com Kooiman no
que se refere à governabilidade como a capacidade de um sistema sociopolítico para governar-se
a si mesmo no contexto de outros sistemas mais amplos do que as partes que formam o todo. A
governabilidade deriva do alinhamento entre as necessidades e as capacidades de um sistema
sociopolítico; são capacidades de auto-reforço.
El problema de la gobernabilidad se torna pues un problema de
refuerzo ('enforcement'), en cuanto es el alineamiento de
necesidades y capacidades a través de las instituciones (o reglas
del juego) lo que determina su nivel o grado. Este refuerzo
implica a su vez un ciclo retroalimentado donde no sólo el grado
de gobernabilidad dependerá de la calidad de reglas del juego y,
en especial, de cómo éstas solucionan sus inevitables 'trade - offs'
asociados (como el existente entre estabilidad y flexibilidad), sino
6
que también la gobernabilidad influye sobre las reglas del juego
reforzándolas de una manera o de otra según su grado. De esta
forma, un nivel u otro de gobernabilidad se verá reflejado en el
tipo de políticas públicas o regulaciones implementado. Por tanto,
más gobernabilidad no sólo alineará mejor necesidades con
capacidades conferidas institucionalmente, sino también
necesidades y políticas5 (PRATS, 2003).
A definição para o termo governança introduzida no debate público internacional pelo
World Bank (1992, p.1) deu ao conceito um caráter prescritivo; tanto que outras agências
multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional, ligado ao World Bank, passaram a legitimar
suas orientações por esse conceito. Trata-se de uma segunda geração de análises sobre
governabilidade e sua crise de governabilidade, ligadas às condições de sustentação das políticas
de ajuste em contexto democrático (SANTOS, 1997). Para o World Bank, a noção de "boa
governança" (good governance) está intrinsecamente associada à capacidade governativa e
passou a ser requisito indispensável para um desenvolvimento sustentável, que incorpora ao
crescimento econômico a eqüidade social e os direitos humanos. Com viés normativo implícito,
associa esses pré-requisitos do bom governo à democracia; assim, garantida a retomada do
crescimento econômico, com a ajuda dessas agências, e o desenvolvimento de instituições
democráticas, a eqüidade social viria conseqüentemente:
Governance is dedicated to the improvement of institutions
performances, by mean of the creation of new local power
(decentralization, social control, efficiency of national policies in
local contexts, etc.). Other main feature is the usability of theses
concepts in the development problem of nations and regions. A
lot of publications emphasize on the importance of governance
and governability in the activation of local and national
development, especially in developing countries. International
donor organisms (FMI, World Bank, IDB, etc.) insist on the
necessary empowerment as a support means for local
development, linked with gender, generational and ethnical issues
(WORLD BANK, 1992, p. 1).
Algumas vezes, entretanto, percebe-se certo aspecto ou discurso contraditório em relação
à boa governança como a única solução aos problemas atuais, já que, ao reforçar a impotência
5 Fonte: http://www.iigov.org/id/article.drt?edi=184501&art=184669 Acesso em dezembro de 2007.
7
coletiva ante os desafios ingovernáveis, a governança acaba sendo o problema e não a solução.
Mas, na verdade, trata-se de um processo gradual, de cujo escopo fazem parte modelos de
subsidiariedade e transparência (THEYS, 2003). Melo (1995, p. 30-31) cita que governance é o
modus operandi das políticas governamentais, como o formato político-institucional dos processos
decisórios, participação e descentralização, e mecanismos de financiamento das políticas.
A governância6, para Dror (1999), relaciona-se com a capacidade para governar, a ação
produzida em forma de decisões pelo próprio governo. Expressão disso é a incapacidade dos
governos de se adaptarem a situações voláteis e a baixa qualidade da governância. Não haveria,
portanto, diferença entre governância e governo. Segundo Dror, o governo, com pano de fundo
num processo democrático e respaldado no processo histórico, aumenta sua governabilidade,
desde que seja ético, respeite os direitos dos cidadãos, aja de forma transparente, respeite
minorias, seja competente, tome decisões estratégicas e formate políticas públicas adequadas,
embora decisões e escolhas ocorram sempre em um contexto de incerteza. O citado autor
ressalta, ainda, que, como as formas de governância estão chegando a situações sem saída, um
bom governo deve admitir a dificuldade de tal “encruzilhada” e elencar alternativas para modelar o
futuro. Para isso, Dror discute o redesenho da governância, melhorando as capacidades para
tecer o futuro, pois tecer o futuro é também tecer a governância:
A verdadeira trajetória para o futuro será significativamente
influenciada por atos e não atos da governância, dos quais alguns
são escolhas críticas, que nenhuma outra instituição poderia ou
deveria fazer. Entretanto, a governância atual não está preparada
para tecer o futuro na direção do melhor. Portanto, é essencial
um redesenho radical que aprimore as capacidades para governar
e efetivamente influencie o futuro para o melhor, mediante atos
de escolha e vontade coletivas baseadas na liberdade humana
(DROR, 1999, p. 147).
Como a estratégia ou as escolhas das estratégias exploram o futuro, pois são situacionais,
o jogo interativo tem essa dimensão, ou seja, dependendo do que se escolhe, pode ser construído
ou não baseado em uma incerteza difícil de administrar.
Note-se como o conceito de governança foi ampliando e tornando-se mais complexo e com
um “arco” abrangente, na medida em que o contexto histórico, as práticas e as reflexões teóricas
foram modificando-se mutuamente. Não há, portanto, consenso sobre o conceito, mas esse “arco”
conceitual permite a reflexão de sua complexidade e, por extensão, a projeção que os autores
fazem do conceito, tais como: visões otimistas, pessimistas, analisando-as, rejeitando-as ou
6 Dror usa o termo governância em vez de governança.
8
colocando suas esperanças na governança como uma possível solução aos problemas, como é o
caso da Global Water Partnership (GWP); ou, simplesmente, ignorando o conceito, já que a
discussão da capacidade governativa vem de longa data.
Da discussão do desenvolvimento sustentável que incorpora o crescimento econômico
com eqüidade social e direitos humanos, inicia-se o processo de definição de governança da
água. Os conceitos de governança7 e water governance estão intrinsicamente vinculados e ainda
estão sendo construídos, alguns com foco mais prescritivo, outros mais descritivos ou com foco
em seus resultados, relativos a eficiência e eficácia da alocação da água.
Para Hall, Ghezae e Steenbergen (2003)8, dialogando com a
Figura 1:
Governance looks at the balance of power and the balance of
actions at different levels of authority. It translates into political
systems, laws, regulations, institutions, financial mechanisms and
civil society development and consumer rights – especially the
rules of the game. Usually improving governance means reform.
Resolving the challenges in water governance is necessary if we
are to achieve sustainable water resources development and
management. If we are to secure access to water for all, maintain
vital ecosystems and produce economic development out of water
management, effective water governance is essential.
Increasingly, it is realised that neither a traditional public sector
nor an illusive ‘market’ can resolve all challenges in water
resource management.
As dimensões da governança, amparadas pelas dimensões de sustentabilidade, social,
oportunidades democráticas eqüitativas e o uso eficiente desse recurso, são demonstradas na
Figura 2, que incorpora, ainda, a complexidade dos usos da água, a qual requer sustentabilidade,
diversidade dos usuários que carregam seus interesses e valores pela disputa de sua alocação,
7 O debate sobre governança da água no Brasil está sendo construído. Na USP-Procam, através do Projeto Alfa,
discute-se o tema. The GovAgua (EC ALFA) Project, aims to contribute to improve how governments, institutions, social organizations and citizens interact in decision-making on water management. Themes: a) Water challenges and governance in cities and their catchments; b) Supporting coordination processes between multiple stakeholders in cities and their catchments; c) Institutional transformation and water services delivery in urban and peri-urban areas; and d) River basin management encompassing cities. Acesso em junho de 2007: http://ec.europa.eu/europeaid/where/latin-america/regional-cooperation/alfa/projects_en.htm
8 Fonte: http://www.netwas.org/newsletter/articles/2003/09/2 Acesso em outubro, 2007.
9
que, por sua vez, deve ter uso eficiente. Usos eficientes pressupõem intervenções eficientes.
Pode ou não significar governar com a sociedade ou uma co-governança.
Figura 2 – Dimensões da governança da água
Fonte: Projeto GovÁgua/Programa Alfa / Coord. PROCAM-USP.
Castro (2006, p. 5) faz uma síntese importante sobre as diferentes definições de
governança e a vincula à governança da água:
For some, governance is an instrument, a means to achieve
certain ends, an administrative and technical toolkit that can be
used in different contexts to reach a given objective, such as
enforcing a particular water policy. For others, governance is a
process involving not the instrumentalization of decisions taken
by experts and powerholders, but rather the debate of
alternative, often rival projects of societal development, and the
definition of the ends and means that must be pursued by
society, through a process of substantive democratic
participation. In addition to the contrasting conceptions of
governance discussed here, there are also different intellectual
10
and political traditions, some of them defending irreconcilable
positions, which inform dissimilar understandings and practices of
governance. Thus, for instance, while certain traditions
understand that water governance must be structured around the
principles that water is a common good and that essential water
services are a public good that cannot be governed through the
market, other traditions defend the entirely opposed view that
water must be considered as an economic resource, essential
water services as a private good, and that in consequence the
governance of water and water services must be centred on
market principles. These are just a few examples to demonstrate
that the question about what exactly “governance” means
requires careful consideration.
Dependendo, então, de como se utiliza o conceito de governança, será dada ênfase a um
determinado aspecto do processo, isto é, por exemplo, o governo como o condutor do processo
de governança ou a sociedade como construtora de sua própria governança ou ambas de forma
mútua.
Para o Third World Centre9, governança é:
In fact, an extensive literature review indicates that same earlier
concepts and issues are being used, but under the new and
trendy label of governance. Accordingly, at least in the water
sector, there is the risk that old wine is being recycled in a new
bottle with a label of governance.
As diversas definições de governança e de water governance convergem para o mesmo
sentido no que diz respeito à necessidade de participação da tomada de decisão em relação a
políticas públicas. O alcance dessa governança justa passa pela concertação entre os diferentes
interesses de grupos sociais e conflitivos em torno da alocação da água, realizando-a de forma
igualitária e baseada em critérios democráticos.
Para a GWP10, water governance seria:
Water Governance refers to the various levels of political, social
and administrative mechanisms that must be in place to develop
and manage water resources including the delivery of water
services. (...) To achieve good governance for water it is
9 Fonte: http://www.thirdworldcentre.org/governance.html. Acesso março de 2007. 10 http://www.epe.be/objective2002/cairo/invitationwgover.html. Acesso em março de 2007.
11
necessary to create an enabling environment which facilitates the
following: efficient private and public sector initiatives; a
regulatory regime which allows clear transactions between
stakeholders in a climate of trust; and shared responsibility for
safeguarding river and aquifer resources whose management
affects many people but at present is frequently the responsibility
of none. Water governance refers to the range of political, social,
economic and administrative systems that are in place to develop
and manage water resources, and the delivery of water services,
at different levels of society.11
Se o objetivo for obter a eqüidade econômica e ambiental dos serviços hídricos, o conceito
de governance foca a alocação e regulação entre sociedade e governos. É um exercício de
autoridade econômico-político-administrativa de gestão em vários níveis, e em que cidadãos e
grupos têm diferenças e conflitos, de maneira a garantir seus serviços hídricos (Figura 3).
Figura 3 – O processo de gerenciamento de recursos hídricos e a governança
Governance
Health
Water Quality
Water Supply
Floods/Droughts
Energy
Agriculture
Industry
Pollution Prev
Coastal Mgt.
Ecosystem Mgt.
Activity Sectors
(water uses)
Social
Development
Economic
Development
Env.
ProtectionObjectives
Policy/Inst.Framework
Management Institutions
Water Resources Development : The IWRM Process
Feedback
Prosperity
IWRM Water and waterrelated policies review and revision
IWRM Resource development, management, monitoring, and evaluation
IWRM Resource availability/use analysis and allocation
Fonte: Projeto IWRM
11 GWP Background Paper 7, Effective Water Governance, 2002.
12
Para Doppelt (2000):
A Governance system is a complex package of policies, programs
and institutions which, in concert, are intend to provide specific
outcomes. The outcomes chosen involve fundamental decisions
about how, why and by whom decisions are made, the direction,
type, scope of information flows, the responsibilities of economic,
community and public sector, and how activities are encouraged,
monitored and enforced.
O sítio www.watergovernance.com é direto quanto à governança da água: “governance
systems determine who gets what water, when and how” (p.1). Para Warner12 (2006):
From a political science perspective, water governance is thus an
analysis on who governs what - Who rules, who controls, who
benefits – the distribution of power(s) between social actors –
and how it is legitimized (justification). The power structures are
nested - governance is multi-level and there is a tension between
the basin/water system level and administrative level. The
overlay of global and state governance is key in influencing
(sometimes determining) local control patterns. An analysis of
control and hegemony is appropriate to this school of thought.
Studies of governance usually doesn’t stop at such a ‘what is’
analysis. The next paragraph goes into the normative side. From
a functionalist perspective, water governance concerns how to
optimize management – the best possible combination,
maximizing actors’ knowledge, capacities, energies for the best
possible result – what is the best mix of force/rules (state),
exchange (market) and deliberation (civil society). The task is
then how best to co-ordinate those capacities. Concepts of
distributed and cooperative governance indicate preferred
modalities forms of this approach. Similarly, water governance
tends to be seen a way of making water more effective,
accountable, and more participatory. According to this view,
governance is currently in crisis because people aren’t taking their
responsibility, and can be improved by ‘good governance’.
12 WARNER, J. 2006, in Projeto GovÁgua/Programa Alfa / Coord. PROCAM–USP mimeo, p. 8.
Importante observar que a análise entre governabilidade e governance remete-se à origem estrutural-funcionalista do desempenho dos sistemas políticos.
13
A governança da água pressupõe negociação na política pública13 de recursos hídricos –
federal e estaduais – e está vinculada com a governança na dimensão da democracia, seja
baseada no voto, na participação democrática, como consultas públicas, ou pela democracia
direta, a gestão autônoma de determinadas questões pelas organizações civis, mas com suporte
do governo. Na outra ponta, é preciso reconhecer que a governança da água não pode ser
reduzida ao mesmo que política hídrica.
Para a UNDP (2007, website), conforme demonstrado pela Figura 4:
Water governance is defined by the political, social, economic and
administrative systems that are in place, and which directly or
indirectly affect the use, development and management of water
resources and the delivery of water service delivery at different
levels of society. (…) Governance comprises the complex
mechanisms, processes, and institutions through which citizens
and groups articulate their interests, mediate their differences,
and exercise their legal rights and obligations.
Já para Solanes e Jouravlev (2006)14, também conforme demonstrado pela Figura 4:
Water Governance for Development and Sustainability: aims to
identify the characteristics of water institutions which promote the
sustainable integration of water, both as a resource and as
service, into socioeconomic development. As this does not depend
only on formal institutional factors, such as legislation and
organizational structures, there are also references to dynamic
conditions, such as socioeconomic circumstances and the quality
of the administration, summarized in the concept of governance,
understood as the capability of a social system to mobilize
energies, in a coherent manner, for the sustainable development
of water resources.
Mesmo com a maioria dos atores referenciados preconizando a participação, esta não é
almejada por todos e não são todos que a desejam. Muitos não podem participar por problemas
de acesso de qualquer natureza, seja porque alguns grupos sociais estão excluídos ou ignorados
13 “De forma simplificada, qualquer política pública visa satisfazer as demandas que lhe são dirigidas pelos atores
sociais ou aquelas formuladas pelos próprios atores do sistema político (...) Existem, basicamente, dois tipos de demandas, as demandas novas e as demandas recorrentes. As demandas novas são aquelas que resultam do surgimento de novos atores políticos ou de novos problemas, novos atores são aqueles que já existiam antes, mas não eram organizados. (...) Novos problemas, por sua vez, são problemas que não existiam efetivamente antes (...) ou que existiam apenas como ‘estado das coisas’, pois não chegavam a pressionar o sistema e se acrescentar como problema político que exige solução” (RUAS, 1998, p. 3).
14 UNITED NATIONS website, 2006.
14
na sociedade civil em sua relação com o Estado, seja porque os espaços institucionais não
abrigam todas as possibilidades de canalização de reivindicações ou participação. É possível que
ainda não haja espaços institucionais formais de negociação apropriados. Há aqueles que
permanecem “fora” da discussão e da construção da water governance. Como um dos objetivos
da governança é aumentar o poder e ampliar espaços de negociações, isso pode elevar o
empoderamento e oferecer alternativas na resolução de conflitos. De qualquer forma, a
complexidade técnica dos sistemas hídricos não pode instrumentalizar ou legitimar a ausência de
debate público15 e manter as decisões restritas a um nicho do poder decisório.
A escassez e má distribuição da água é uma crise essencialmente de governança da água,
porque se trata de enfrentar seus desafios em sua forma social, econômica e política. Como há
finitude do recurso hídrico, sua alocação será alvo de discussões de prioridades, de como
transformar o acesso isonômico, ambientalmente sustentável e racionalmente utilizado.
Figura 4 – Governança e a gestão de recursos hídricos
riza
Keyperformance results
Appraisal byProfes-sionals
Appraisal bySociety
Appraisal byDecisionmakers
Relationship governance and IWRM
Financialresources
Legal& Institutionalarrangements
Leader-ship(goodwater gover-nance)
EnablingEnablingEnablingEnabling enviromentenviromentenviromentenviromentForForForFor IWRMIWRMIWRMIWRM
Implemen-tation of IWRM
Policy & strategy(IWRM)
Innovation and learningResultsPlan
Fonte: IWRM
15 Os aspectos políticos da gestão hídrica começam a aparecer no 7º Simpósio de Recursos Hídricos e Hidrologia de
1987 e são ressaltados na Carta de Salvador.
15
A Figura 4 demonstra a ligação intrínseca entre governança e gestão hídrica, pela natureza
dos problemas e as externalidades do uso de recursos comuns. A gestão hídrica está no cerne da
ação pública que afeta todos os cidadãos. A gestão por bacia hidrográfica, na experiência
internacional, oferece uma forma de water governance, pois, de forma geral, há a estratégia de
incluir organizações e a sociedade civil nas decisões dos rumos para aquela bacia, de modo que
as formas de governo legitimem o uso das políticas hídricas.
Na outra ponta, a sociedade pode melhorar suas instituições democráticas e políticas e o
próprio Estado, nas lutas contra a corrupção, e a favor da ampliação da participação, estabilidade
e condições políticas para um sistema eleitoral, e do fortalecimento da democracia.
As dimensões mais significativas para a water governance são a relegitimação da ação
pública, suportada por maior transparência, confiança, coordenação coletiva das ações realizada
pela mobilização e pluralidade dos atores-protagonistas das bacias hidrográficas, pela habilidade
de gerir complexidade e aspectos incertos ou imprevisíveis e, por fim, pela transferência de poder
para a sociedade civil. Isso remete para o conceito de Triângulo de Governo de Matus (1996a)
(Figura 5).
16
Figura 5 – Triângulo de governo
Fonte: Carlos Matus, 1996a.
O projeto de governo, como demonstra a Figura 5, é o conteúdo da proposta de governo,
começando pela seleção de problemas e a maneira de como enfrentá-los. Há limites de
efetividade nessa definição como a de que nenhum governo pode ser melhor que sua seleção de
problemas ou, ainda, de que nenhum governo pode ser melhor que a qualidade do
processamento dos problemas que enfrenta.
A governabilidade, para Matus (1996a), é a relação entre o peso das variáveis que o ator
controla e as que não controla, isto é, a capacidade que o ator tem para decidir e implementar as
decisões que foram tomadas no planejamento estratégico de governo (macrogoverno) (Figura 5).
No planejamento, elencam-se os problemas a serem enfrentados. A governabilidade relaciona-se
com essa capacidade de resolver tais situações-problemas. Há atores que têm alta, baixa ou
17
média governabilidade. É alta, quando a solução depende dos atores; quando há dependência de
outros atores, a governabilidade pode ser baixa. Também na governabilidade há limites de
efetividade como a de que nenhum governo pode fazer mais do que permite a governabilidade
que limita seu projeto.
A capacidade de governo é o capital intelectual e da experiência relacionada com a perícia,
como a capacidade pessoal e institucional de governo. Nesse aspecto também há limites de
efetividade, pois nenhum governo pode ser melhor que a capacidade pessoal e institucional de
seu próprio governo. Isso permitiria aos governantes elaborar um projeto de governo inteligente,
administrando a governabilidade e criando ferramentas de governo. Matus e Dror se
complementam, na medida em que estudam por enfoques diferentes a governabilidade; ambos
acreditam que é preciso capacidade de governo para realizar as mudanças necessárias na gestão
pública.
No processo de governo, administram-se três cintos que correspondem a três balanços: o
Balanço I, que é a dimensão da gestão política, incluindo a legalidade e legitimidade política, ética,
representatividade dos partidos, descentralização, sintonia política do projeto, equilíbrio de
poderes etc.; o Balanço II é da gestão macroeconômica, do manejo da economia; e o Balanço III é
o intercâmbio de problemas, como o saldo do enfrentamento dos problemas que têm maior valor
para a população, tais como segurança, qualidade de vida, habitação, saúde, educação, serviços
básicos, dentre outros.
Há outra dimensão relativamente à governabilidade, aquela utilizada como dissimuladora
dos conflitos e dos jogos de poder, mascarando a impotência da ação pública, quando há fracos
resultados alcançados pelas formas de governança implantadas. Eventualmente, uma
configuração adequada da engenharia institucional e das normas pode dar como resultado um
estado de equilíbrio entre o governo e a sociedade, isto é, a governabilidade. Esta também se
refere a um formato adequado de instituições e arcabouço-jurídico-institucional que remetem a um
equilíbrio entre o governo e a sociedade.
A governabilidade focaliza a especificidade de situações e a probabilidade de encontrar
soluções eficazes e aceitáveis. Há algumas complexidades em jogo, como o número de atores,
existência de soluções aceitáveis, capacidade de governar, vontade política, alianças estáveis e
sustentáveis. Há também tipologia de situações, tais como problemas bem estruturados e mal
estruturados; governos em universos estáveis ou não estáveis; governabilidade forte, média ou
fraca (THEYS, 2003). Em síntese, são componentes da governabilidade os aspectos da
18
efetividade das políticas públicas, a estabilidade política, o controle da corrupção no Poder Público
e a participação na tomada das decisões.
Para Rogers (2002), a governança da água deveria orientar-se por alguns princípios, tais
como: a) transparência e abertura de participação entre público e privado, com uma linguagem
accessível e inteligível para a participação, isso inclui decisões também transparentes; b)
participação nas políticas públicas desde sua elaboração até sua implementação, essa
mobilização e vocalização das vozes partícipes podem construir a capacidade necessária para o
fluxo de informações para melhores decisões; c) integração dos usos interfaceados da água, bem
como com a decisão de todos os usuários, portanto com políticas coerentes de fácil compreensão
para todos os níveis de responsabilidade dos atores; d) princípios éticos que regulam os
arcabouços jurídicos institucionais da governança da água de forma eqüitativa; e) regras e
responsabilidades claras dos papéis do poder executivo e do legislativo. Ainda, segundo o citado
autor, a governança da água deveria ser econômica, política, social, ambientalmente eficiente e
sustentável, comprometida com o futuro, perspectiva que contempla as futuras gerações e as
demandas futuras de todos os cidadãos.
Os diversos conceitos de governança e de governança da água apontam tanto autores
otimistas quanto pessimistas que projetam suas expectativas em seus argumentos. Os limites
mais visíveis desses conceitos estão na mensuração de sua eficácia, já que, até o momento,
implementações e os resultados socioambientais estão ainda para ser disponibilizados. A
ampliação do debate público se fará necessária, já que a projeção de governança inclui a visão da
sociedade para sua construção; discussão que ainda está circunscrita a uma minoria de grupos de
interesse e expertos.
Como há limites da participação no processo de construção de governança e estruturas
políticas tradicionais, a democracia participativa se restringe a procedimentos formais e
negociações informais (THEYS, 2003). O “tamanho” da governança não tem resposta simples, já
que as questões socioambientais e, conseqüentemente, a gestão hídrica, atravessam problemas
transfronteiriços para os quais a ciência ainda não tem respostas claras, como, por exemplo, o
desenho de políticas públicas projetado às gerações futuras. De qualquer forma, houve avanços
no funcionamento democrático na gestão do bem comum, várias formas estão sendo testadas,
estudadas e transformadas em eventuais referências..
Os limites da governança são relativos a disfunção ou limitação dos processos de
participação existentes; ineficácia de políticas deliberativas; enfraquecimento de instituições; e
19
procedimentos claros de coordenação entre os diferentes poderes territoriais. Há contradições
entre posturas técnicas, políticas e a daqueles grupos interessados expulsos ou que não querem
participar dos processos de decisão. Ainda sobre os limites da governança, Castro (2006) coloca:
Far from being an abstract academic discussion, this debate has
far-reaching consequences for public policy in general, including
water policy. As already mentioned, despite rhetorical recognition
to the contrary, in the water policy literature governance is often
understood instrumentally, as a mean to achieve certain
objectives, as a policy strategy, rather than as a complex process
of democratic dialogue, negotiation, and citizen participation that
includes the discussion about what objectives must be pursued by
society. Also, and closely related to the previous point, the
conceptualization of governance that tends to prevail in this
literature often presents an idealized vision of the interrelations
between the main spheres involved: the state, the market, and
“civil society”. This idealized version of governance presents the
state, the market and “civil society” as partners participating in
symmetric, triangular interaction, as in the notions of “public-
private partnership” and “tri-partite partnership”, which have
become central in mainstream public policy (e.g. Picciotto, 1997;
UNDP, 2006; World Bank, 2006). We argue that there is a need
to critically examine these instrumental and idealized
understandings of governance that can be identified in the policy
literature (p. 16).
Governança e governança da água são conceitos complexos que não podem ser
reduzidos a simplificações como a capacidade estatal de governar, padrões de articulação e
cooperação entre atores sociais e políticos e arranjos institucionais que coordenam e regulam
transações ou o tamanho do Estado. Sociedade e política são elementos desses conceitos e a
articulação do Estado com a sociedade perpassa pelos mecanismos democráticos e articulação
de interesses, tais como partidos políticos, grupos de pressão, redes sociais, dentre outros. Talvez
a introdução do conceito de governança possa trazer alguma inovação democrática, caso se
ampliem procedimentos democráticos de consulta, descentralização da gestão e informação
simétrica para a sociedade, legitimando e tornando mais transparente a ação pública com
coordenação não hierárquica das ações coletivas, com transferência de poder para a sociedade
civil, com coletividades descentralizadas e instituições autônomas.
O Brasil está tentando construir sua governança e governabilidade – tanto política quanto
de gestão de recursos hídricos – com avanços, dificuldades, evitando importar modelos
20
indiscriminadamente; ou com as adaptações sociais, culturais e institucionais devidas. As
governanças brasileiras a serem construídas podem ir além das adaptações internacionais e
podem conter a crítica aos mecanismos de cooptação pelas políticas públicas ou as relações de
poder; ou, ainda, a ingenuidade de que a governança traz subjacente o conceito construtivo e
sustentável que deve ser almejado pelos atores, eliminando os conflitos que são, estes sim,
subjacentes ao processo de governança. Water governance é como um sistema de atores,
recursos, mecanismos e processos mediados pelo acesso da sociedade à água. Processos
mediados que podem ser buscados através do “modelo” do consensus building:
Government represents the formal structures through which the
state orders its affairs, including its water affairs. Management
comprises the actual processes by which water resources are
allocated and delivered. Both government and management form
part of the wider system of governance which mediates peoples'
access to water16.
De imediato, pode ser possível reconhecer que o desenvolvimento sustentável requer
diferentes formas de governance com capacidade governativa (governabilidade)17, ou seja, de
converter o potencial político de um dado conjunto de instituições e práticas políticas em
capacidade de desenhar, implementar e mobilizar meios necessários para sustentar políticas
públicas para a sociedade. Também depende de formação de coalizões de sustentação e
construção de arenas de negociação que evitem a paralisia decisória. Isso não somente no Poder
Executivo, como também nas relações Executivo-Legislativo; no sistema partidário e eleitoral; e na
pouco analisada atuação do Judiciário como ator político. Há distintos aspectos da democracia e
sua relação com a capacidade governativa do Estado; isso se insere na governança.
A governança participativa e/ou representativa parece ser comum a muitos autores citados
anteriormente, centrada em uma ação coletiva, plural, expressa na multiplicidade de interesses;
condições a serem construídas, através do debate público, com multiplicação de consultas,
diversificação de formas de decisão, conectando-as melhor com as instâncias de decisão. Estas,
precisando ser mais autônomas e interativas, com relações de força e poder mais equilibradas.
16 Fonte: http://www.id21.org/insights/insights67/art00.html Acesso em novembro de 2007. 17 Para alguns, o gargalo da governabilidade está na implementação das políticas públicas; ou na fraca negociação
entre o Executivo-Legislativo. Em algumas políticas, há decisão concentrada nos altos escalões insulados da burocracia governamental.
21
A governança também é o resultado do contrato social consensual que define a série de
arranjos institucionais e normas no qual se baseia o Estado. Supõe um conjunto de inovações que
vai além dos arranjos pragmáticos. Entrelaçam-se vários papéis: da ciência, dos cientistas, da
política, da mídia; da ética; do sistema educacional, do setor privado, dos especialistas, das
autoridades públicas, das instituições, da opinião pública.
Conclusões parciais
O fortalecimento da governança da água pode ter muitas estratégias para sua
cristalização, como arenas de negociação, práticas educativas de aprendizagem e a participação
da sociedade civil.
Pode ser concertada entre os diferentes grupos sociais ou atores que têm voz para jogar o
jogo social, aceitando ou não os melhores argumentos lógicos nos processos de decisões de
políticas públicas e em busca do interesse público. Sob a governança, os direitos dos cidadãos se
relacionam com justiça; sob a governança da água, esses direitos se estendem ao direito à água,
eqüidade ambiental e justiça. No âmbito dos direitos políticos da governança, a democracia é o
exercício do poder; na governança da água, há a democracia da água e participação. E, por fim,
sob a governança, há os direitos sociais, balizados por padrões de civilidade e bem-estar; e, na
governança da água, o acesso eqüitativo à água e aos serviços de água, como uma
universalização a ser perseguida.
O conflito pela água constitui uma oportunidade de redefinir os acordos sociais como parte
da dinâmica social. A governança não pode somente enfatizar os acordos institucionais, há uma
dimensão do processo político que interfere, bem como as relações de poder. Relações estas que
remetem à eqüidade como fator fundamental para o acesso à água e oportunidade, incluindo
tarifas diferenciadas para faixas etárias de populações com menos acesso aos recursos de todos
os tipos; a prestação de contas dos governos, do setor privado e da sociedade civil organizada,
transparente às verificações do público e àqueles a quem representam; a circulação de
informação na sociedade alimentará a accountability e a participação do cidadão.
Enfim, políticas públicas apropriadas, coerentes, incorporando a complexidade da gestão
da água e suas interfaces com outras áreas, suas peculiaridades e de entendimento adequado ao
público com gerenciamento de problemas comuns, acomodando interesses conflitantes ou
diferenciados e realizando ações cooperativas; gestão de interações, sistemas de regulação e
22
mecanismos de coordenação; negociação entre atores. Os atores não são portadores só de
projetos, mas também da dimensão do sonho, da projeção do futuro, da dimensão lúdica.
A governança da água depende tanto da estrutura política do país, quanto do
desenvolvimento de capacidades e da aprendizagem social nos sistemas hídricos. Depende da
transferência de responsabilidades e recursos aos atores-intervenientes, com base no princípio da
subsidiariedade. Pressupõe atuação em rede auto-organizada, atuação integrada; autônoma,
autogovernada, transparente, com empoderamento dos atores envolvidos na gestão, interagindo
com os tomadores de decisões relativos aos recursos hídricos.
Embora o “tamanho” da governança não tenha resposta simples, há que se considerar e
entender que os conceitos, contradições e limites da governança e governabilidade – hídrica ou
de dimensão política – espelham o contexto histórico em que foram produzidos, pensados.. São
contradições e assertividade de toda natureza, fruto de uma governança da água que está sendo
construída. Não há, portanto, consenso sobre o conceito de governança. Cabe, então,
compreender o “arco” conceitual, permitindo a reflexão de sua complexidade possa iluminar a sua
construção, sempre contando com cada vez mais a ampliação da participação nesta construção.
Referências bibliográficas
CASTRO, José Esteban. Agua y gobernabilidad: entre la ideología neoliberal y la memoria histórica (Water and governance: between neoliberal ideology and historic memory). Cuadernos del CENDES, Universidad Central de Venezuela 2005, 59. Disponível em: http://www.ncl.ac.uk/gps/staff/profile/j.e.castro Acesso em junho, 2007.
________. Water governance in the twentieth-first century. School of Geography, Politics and Sociology. Newcastle University, UK. 2006. mimeo.
DINIZ, Eli. "Governabilidade, Democracia e Reforma do Estado: Os Desafios da Construção de uma Nova Ordem no Brasil nos Anos 90". Dados, vol. 38, nº 3, 1995.
DOUROJEANNI, Axel; ANDREI, Jouravlev. Crisis de gobernabilidad en la gestión del agua: desafíos que enfrenta la implementación de las recomendaciones contenidas en el capitulo 18 del Programa 21. Santiago de Chile: CEPAL, 2003.
DROR, Yehezkel. A Capacidade para governar – informe ao Clube de Roma. Tradução Carolina Andrade. São Paulo, Edições Fundap, 1999.
HALL, Allan; PIRIZ, Laura; GHEZAE, Nighisty. Introducción de una gobernabilidad eficaz para el agua. [S.l}., GWP, 2002. Documento base para el Dialogo sobre la Gobernabilidad Eficaz para el Agua.
HALL, Alan; GHEZAE, Nighisty & VAN STEENBERGEN, Frank. The Challenges in Effective Water Governance. September 2003. Acesso em outubro de 2007. Disponível em :http://www.netwas.org/newsletter/articles/2003/09/2
23
HARDIN, G. The tragedy of the Commons. Science, n° 162, p. 1243-1248, 1968. Disponível em: <http://dieoff.org/page95.htm> . Acesso em novembro de 2006.
KAUFMANN, Daniel et.al. Governance matters IV: Governance indicators for 1996 -2004. Washington, D.C.: World Bank, 2005.
KOOIMAN, Jan (ed.), Modern Governance: New Government - Society Interactions, London: Sage, 1993.
LE GALÈS, Patrick. Du gouvernement des villes à la gouvernance urbaine. In:Revue française de science politique. 1995, Volume 45, Numéro 1, pp. 57-95
MAYNTZ, Renate. Nuevos desafíos de la teoría de Governance. Disponível em: http://www.iigov.org/id/article.drt?edi=187626&art=187660. Novembro de 2000. Acesso em janeiro, 2007.
MELO, Marcus André B. C. de., "Ingovernabilidade: Desagregando o Argumento", in L. Valladares (org.), Governabilidade e Pobreza. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira. 1995.
POLLITT, C.; Joined-up government: a survey. Political Studies Review, v.1, p. 31-46, 2003.
PRATS, Joan Oriol El concepto y el análisis de la gobernabilidad. Desarrollo Institucional para una Gobernabilidad Democrática. Edición 14. Miércoles 10 de diciembre de 2003 ISSN 1560-5264. Disponível em http://www.iigov.org/id/article.drt?edi=184501&art=184669
ROGERS, Peter. Water Governance in Latin America and the Caribbean. Inter-American Development Bank. Sustainable Development Department, Enviroment Divisiion. February 2002. Dsiponível em:
http://www.iadb.org/sds/doc/ENV-PRogersWaterGovernanceinLAC.pdf
ROGERS, Peter & HALL, Alan W.. Effective water governance, TEC Background Paper No 7, Global Water Partnership, 2003 (PDF). Disponível em: http://www.id21.org/insights/insights67/art00.html
ROSENAU, J.; CZEMPIEL, E. Governance without government: order and change in world politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
SANTOS, Maria Helena de Castro. Governabilidade, Governança e Democracia: Criação de Capacidade Governativa e Relações Executivo-Legislativo no Brasil Pós-Constituinte. Dados , Rio de Janeiro, v. 40, n. 3, 1997 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000300003&lng=en&nrm=iso> Acesso em: 27 Nov 2007. doi: 10.1590/S0011-52581997000300003
THEYS, Jacques. Dossier 2: Gouvernance locale et Développement Durable. Mis en ligne le: 1 novembre 2003. Disponivel em
http:// developpementdurable.revues.org/document1523.html
Revue Développement Durable et Territoires – 2002 – 2006. ISSN 1772-9971
Sobre water governance:
Global Water Partnership (2002), Effective water governance. TEC Background Paper 7.
Global Water Partnership (2003), Effective water governance: learning from the dialogues. Stockholm.
http://www.epe.be/objective2002/cairo/invitationwgover.html
The GWP Toolbox for Integrated Water Resources Management: www.gwpforum.org .
http://www.watergovernance.ca/ : The Program on Water Governance (PoWG) conducts basic research on water management.
http://www.usp.br/procam/govagua/
24
http://www.watergovernance.org/index.html : The UNDP Water Governance Facility (WGF) at the Stockholm International Water Institute (SIWI) is a unique initiative that was launched by the United Nations Development Programme.
WBI : http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/WBI/EXTWBIGOVANTCOR/0,,contentMDK:21045419~menuPK:1976990~pagePK:64168445~piPK:64168309~theSitePK:1740530,00.html